Sentia-me como um guerreiro que carregava na memória inúmeras batalhas vencidas, e algumas recentemente perdidas, que talvez pelo cansaço tinha se esgotado, querendo apenas um pouco do nada, do vazio acalentador do nada.
No peito, muitas marcas. A dor na alma era insistente, e por mais que a guerra não tivesse sido travada fisicamente, o corpo sentia dores incessantes que me faziam suspirar como se estivesse gritando por alívio.
Meu coração explodia, e não aguentando aquele peso da indecisão, chorando aos pés de Cristo, eu disse: “Senhor, será que aguentarei seguir-te até o fim?”
Minha carne desejava deixar tudo e seguir todos os desejos que, como um furacão, tomavam conta do meu ser naquele momento. O meu desespero foi por dois motivos: Querer deixar tudo o que com Deus vivi naquele momento e viver para todos os meus desejos pecaminosos, mas em contrapartida, também queria estar com Deus mais do que qualquer outra coisa que eu pudesse ter ou sentir naquele momento.
Sentir. Já percebeu que, com o tempo, percebemos que a fé não vem do sentir? Senti concupiscências absurdas tomarem-me os sentidos, mas percebi minha fé segurando-me no lugar em que habita a razão, trazendo-me a tona novamente, deixando clara a lucidez e lançando para longe qualquer atitude tola de manchar-me com pequenos momentos que devastariam toda uma vida. Uma vida inteiramente lançada aos pés do Senhor.
Transbordei. Transbordei porque sabia que as tentações nunca me deixariam, e como sempre, torturariam. Afligi-me intensamente por não ter certeza se eu realmente permaneceria de pé, com aquela velha espada de guerra nas mãos. Não poderia confiar em mim. Não havia força em mim, nenhuma sequer.
Em meio ao pranto, fiz uma oração.
“Senhor, tira-me daqui! Porque essa dor? Porque essa guerra? Como posso ser tão humana assim? Preciso te servir, preciso te amar. Preciso fazer uma escolha. Deus, há dois caminhos diante de mim, e tudo em mim reverbera. Quero uma coisa, mas devo fazer outra. O que vencerá, afinal? Por favor, não tenha força em mim! Quando é que essa dor se ausentará de mim? Isso dói, corrói. Está afiado, como um espinho...”
Como um espinho.
“... 7 E, para que me não exaltasse pelas excelências das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de não me exaltar. 8 Acerca do qual três vezes orei ao Senhor, para que se desviasse de mim. 9 E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. 10 Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando estou fraco, então, sou forte.” (2 Co 12.7-10)
Lembrei-me da Palavra que, desde o início, foi proferida pelo apóstolo Paulo em uma de suas cartas, que demonstravam enorme sofrimento e angústia para manter-se de pé e cumprir com seu propósito, desejando, assim como nós, apenas vencer e terminar o que havia começado.
Não conseguia arredar os pés da casa de Deus, muito menos deixar de amá-lo. Percebi que, o desafio, não é amar a Deus. É amar APENAS a Deus. Haviam ídolos em meu coração, que precisavam deixar-me. Lembro-me daquele velho jargão que temos: “O povo saiu do Egito, mas o Egito não saiu do povo”. Algumas coisas estavam arraigadas e tirá-las seria matar minha estrutura. Era exatamente isso que eu precisava fazer. Morrer.
Clarice Lispector, disse certa vez: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Meu edifício estava praticamente edificado sobre alguns resquícios de coisas passadas, que por mais que faziam-me sentir viva, me matavam em Deus. O pecado sempre nos conduzirá a um estado de morte, não importa o quão vivos nos sintamos.
Fechei meus olhos, enxuguei as lágrimas. A luta era mesmo intensa, e fazia-me sentir como se estivesse em uma porta estreita.
Porta estreita.
“Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela”.  (Mateus 7:13)
Nunca me senti tão confrontada. Apesar da dor, sentia-me feliz. Dor por ter que despir-me de mim. Feliz por perceber: que apesar de ter cogitado abandonar o Caminho, Cristo me segurava forte, sendo aquela tristeza em meu peito justamente aquela que gera o arrependimento. “A tristeza segundo Deus produz um arrependimento que leva à salvação e não remorso... “. (2 Coríntios 7:9)
Senti-me aquecida.
O cristão não é aquele que nunca peca, que nunca erra, que nunca sente desejo de retroceder ou parar. É aquele que, mesmo sentindo todas essas coisas, agarra-se ao Mestre mantendo a fé de que Ele nunca irá o soltar. Quem nos segura não somos nós. Quem nos segura sempre será Cristo em nós.
Naquele noite, mesmo com medo, senti-me forte. Estranho, não?! Aprendi então que apenas o medo produz coragem, e dormi com várias cicatrizes na alma, mas com o espírito renovado para lutar mais uma batalha. Sabe o que me encorajou?
A guerra já estava ganha!
“Mas em todas estas coisas somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou.” (Romanos 8.37)