04/06/2021 - Certa vez, em um ato de brincadeira por uma piada desconcertante que fiz com a minha avó, ela disse: "Eita, menina! Vou te deserdar!" Na hora rimos muito, mas levando em consideração essa brincadeira que me deixou pensativa e o questionamento de alguns clientes sobre a possibilidade da deserdação, e ainda, um caso que temos atuado sobre esse tema, preparei o presente artigo no intuito de esclarecer algumas dúvidas sobre a situação.
Afinal, alguém pode ser deserdado ou ser considerado indigno no recebimento da herança?
Bora ver isso Direito :)?
EXCLUSÃO DE HERANÇA POR INDIGNIDADE
A Constituição Cidadã de 1988 tem como um dos seus fundamentos a proteção da dignidade humana. Assim, por elementar razão de ordem ética, quem desrespeita a dignidade do outro merece ser punido.
Considerando-se que uma conduta venha a desrespeitar a dignidade familiar, a punição insere-se no direito patrimonial através da exclusão daquele que afrontou a ordem de vocação hereditária.
Conforme o artigo 1.814, do Código Civil Brasileiro, temos que: “São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.” (BRASIL, 2002).
Quando se fala em exclusão por Indignidade, não significa dizer que o indivíduo, ao bel prazer do detentor da herança ou de outros herdeiros, seja afastado de seu direito de herdar. Neste caso, se faz imprescindível Sentença Judicial pautada no devido processo legal. Nos casos de indignidade, o indigno adquire a herança e a conserva até que passe em julgado a sentença que o exclui da sucessão.
Neste sentido temos o artigo 5° da constituição Federal, em seu inciso LIV, que afirma “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 1988).
Quanto à legalidade desta formalidade, podemos citar o artigo 1.815 do Código Civil, que disserta: “A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença” (BRASIL, 2002).
Desta forma, temos que, em qualquer das situações descritas no artigo 1.814 do Código Civil, a fim de caracterizar-se a exclusão da capacidade sucessória por indignidade, deve haver num primeiro momento, a provocação judicial, através de Ação Ordinária de Indignidade, interposta pelos demais herdeiros ou pessoas que demonstrem legitimidade ou interesse de agir.
Portanto, verificamos que o surgimento desse instituto da exclusão exige sentença judicial que condene o herdeiro por falta grave, realizada contra o titular originário da herança, o que o torna indigno de tal privilégio.
A sentença declaratória da indignidade produz efeitos ex tunc, ou seja, retroage a data da abertura da sucessão. Além disso, seus efeitos são pessoais, conforme preceitua o artigo 1.816 do Código Civil, que determina a substituição do indigno pelos seus descendentes.
Vale dizer, que, inexistindo sucessores do indigno em linha reta descendente, seu quinhão retorna ao monte, seguindo destinação legítima e testamentária.
Outro efeito da exclusão por indignidade é que mesmo conservando o poder familiar, o excluído indigno fica privado do direito ao usufruto e a administração dos bens que a seus filhos menores forem destinados, em razão da substituição, perdendo também o direito sucessório sobre o patrimônio devolvido aos descendentes, que, em regra, teria pelo falecimento destes.
Por fim, importa esclarecer que, o Código Civil vigente prevê a hipótese de um indigno ser reabilitado, não vindo a sofrer a privação da herança: “Art. 1818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.” (BRASIL, 2002).
EXCLUSÃO DA HERANÇA POR DESERDAÇÃO
Podemos concluir que a deserdação nada mais é que o ato de privar o testador da herança, com motivo justo, ascendentes ou descendentes, nas situações previstas no diploma civil.
As causas mais comuns que acarretam a deserdação estão previstas no art. 1.814 do Código Civil de 2002, atinentes à indignidade.
Embora tal dispositivo legal esteja exposto em parte que diz respeito à indignidade, poderá, conforme art. 1.961 do Código Civil, ser utilizado também na configuração da deserdação.
Aqui importa lembrar que os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão. Para excluir da sucessão os parentes colaterais, não é preciso deserdá-los. Segundo informa o artigo 1.850 do Código Civil: “basta que o testador disponha do seu patrimônio sem os contemplar” (BRASIL, 2002).
Além das causas supracitadas, existem outras previstas em lei que devem ser observadas, pois causam da mesma forma a exclusão por deserdação.
A causa de deserdação do descendente está prevista no art. 1.962 do Código Civil, que dispõe o seguinte:
“Art. 1.862. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.
Estas ofensas podem ser de caráter leve ou grave, pois o que se busca neste dispositivo é a prova absoluta de falta de afeto, respeito ou gratidão para com seu ascendente, não sendo justo, por isso que lhe suceda. Sendo assim, a imposição dessa pena de caráter civil, independe de prévia decisão na esfera criminal.
Assim, as características da deserdação podem ser assim dispostas: a deserdação só pode recair sobre a legítima dos herdeiros necessários; os herdeiros são privados de todo e qualquer benefício, atribuídos por testamento anterior; só pode ser sujeito passivo o herdeiro legitimado; somente o autor da herança pode deserdar o seu herdeiro; caberá ao interessado fazer a prova do ato constitutivo da deserdação, em ação própria e a deserdação tem que ser expressa com explicação da causa.
Quanto aos efeitos da deserdação, ao contrário da exclusão por indignidade, cujos efeitos são pessoais, na deserdação, o legislador foi omisso, o que acabou por prevalecer o entendimento de que seus efeitos também são pessoais. Em razão de haver consonância entre os institutos da deserdação e da indignidade, em caso do deserdado não ter filhos, seu quinhão é transmitido aos demais herdeiros, pois só há representação na linha reta descendente, surgindo o direito de acrescer dos demais herdeiros do mesmo grau.
Assim como a deserdação só pode ser feita em testamento – cabendo prova de veracidade do fato apontado pelo testador – não é possível o perdão do deserdado, salvo por outro testamento.
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